O Londum (ou fado) da Figueira
A partitura (digitalizada e enviada por João Baeta) figura na página 59 do livro:
Músicas e canções populares
coligidas da tradição
por Adelino António das Neves e Melo (filho)
Lisboa, Imprensa Nacional - 1872
O Londum Da Figueira by adamoc
A viola vae na rua,
Também vae o tocador,
Menina venha à janella,
Venha ouvir o seu amor.
Oh menina da Figueira
Acudam ao Cabedello
Deu um navio à costa
Com enfeitas p'ra o cabello.
Marinheiro do mar largo,
Volta atrás que vais perdido
Essa moça que ahi levas
É casada, tem marido.
O amor, quando se encontra,
Causa pena e causa gosto,
Sobressalta o coração
E assobe a côr ao rosto.
Na janella aonde eu coso
Tenho um mangericão,
Dá-lhe o sol por entre as folhas,
Fico n'uma escuridão.
À sombra da laranjeira
Está o meu bem a chorar;
Mais vale não prometter,
Que prometter e faltar.
Quem me dera, oh menina,
Á tua porta morar,
Mas ai! o mundo murmura,
É preciso disfarçar.
Vem cá tu, meu goivo roxo,
Creado na goivoaria,
Quem quer bem chama por tu,
Amor não quer senhoria.
Já te disse meu amor,
Quem ama que aperta a mão,
Sempre foste e has de ser
Prenda do meu coração.
Atirei á pera parda
Acertei na de baguim;
Todas as penas acabam,
Só as minhas não tem fim.
Os meus olhos já não olham
Para quem olhavam d'antes,
Vão pela rua quietos,
Parecem dois diamantes.
Numa carta de 15 de Março de 1873, que Adelino António das Neves e Mello dirigiu a Teófilo Braga podemos ler o seguinte:
«Meu caro amigo
Permita-me que assim o trate, atendendo a amizade e franqueza que se revelam na sua estimadíssima carta.
Estou
perfeitamente de acordo nos inconvenientes, que me aponta, e é grande a
minha pena em não lhe ter mostrado antes o manuscrito a fim de seguir os
seus preceitos: conceda-me todavia que lhe explique o motivo de algumas
excepções ao que hoje me diz.
No
seu preciosíssimo livro da
história da poesia popular portuguesa que eu
muitas vezes tenho lido, diz o meu amigo a página 89 que «
o fado, assim
como xácara moderna, em que acção se não tira da vida heróica, é uma
narração detalhada e plangente dos sucessos vulgares que entretecem o
existir das classes muito baixas da sociedade». Desta
maneira o
Londum ou fado da Figueira, que eu apresento, não devia ser
assim chamado; não lhe tirei, porém, esse nome, porque faltava a verdade
pondo-lhe outro, apesar dos versos, que se cantam com este Londum,
serem soltos e desprovidos de nexo.
Acha
o meu amigo incompleta, e eu também, a
Canção do Marujinho; deve,
contudo, notar-se que as -
Cantigas de levantar ferro e a
Vida de marinheiro,
que se leem no seu
cancioneiro a página 144 e
145,
acham-se confundidas
incompletamente no Marujinho, que é uma variante ou fusão deficiente das
duas canções.
Sendo a poesia lírica e o canto inseparáveis no povo, eu trato de colligir
primeiramente a música e depois os versos: talvez que este sistema seja
defeituoso, levando-me muitas vezes a sacrificar o verso a verdade da
música. Peço a este respeito o seu conselho.
Falando,
agora, de Coimbra e dos sujeitos que por aqui o guerrearam, dir-lhe-hei que a sua superioridade sobre estes espíritos tacanhos é tão grande que
nem vale a pena censura-los.
A
entrada no magistério da Universidade obtém-se pelo merecimento algumas
vezes, noutras, porém, é favoritismo ignóbil ou apanágio de certas e
determinadas famílias.
Houve já quem apresentasse
como argumento favorável à votação de um concorrente a sua extrema
pobreza, o que levou a dizer o Dr. Aires de Gouveia que a universidade
não era asilo de mendicidade. Contudo o pobre homem sempre logrou entrar pelo amor de Deus e todos ficaram satisfeitos.
O
que é certo é que o atual merecimento e a aura popular de certos
sujeitos ha-de extinguir-se passado (??) tempo, enquanto que as obras do meu
amigo hão de sempre brilhar e existir durante que viver a literatura
portuguesa.
Confessando-me profundamente reconhecido nos seus favores creia-me
Seu dedicado amigo
Adelino António das Neves e Mello
15 de Março de1873 »
O original desta carta pode ser consultado online no arquivo do Museu da Presidência da República.
A. Caetano, 15 de Agosto de 2023
Cancioneiro popular (Teófilo Braga, 1867)
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