Cancioneiro César das Neves
Fado João de Deus
Quando vejo a minha amada
Parece que o sol nasceu;
Cantae, cantae alvorada
Oh avesinhas do ceu.
N'essas aguas do Mondego
Se pode a gente mirar,
Ellas procuram socego.
E vão caminho do mar.
A rosa que tu me déste
Peguei-lhe, mudou de côr;
Tornou-se de azul celeste
Como o ceu do nosso amor.
Não me falles da janella
Que te não ouço da rua;
Falla-me de alguma estrella,
Que te vou ouvir da lua.
Dizes que a lettra não deve
Ser nunca tão miudinha;
Mas grada ou miuda escreve,
Que o coração adivinha.
Não digas que me não amas
A ver se tenho ciume;
Os laços do amor são chammas
E não se brinca com lume.
A virgem dos meus amores
Sobresae entre as mais bellas:
E como a rosa entre as flores,
E como o sol entre as estrellas.
Eu zombo do sol e chuva,
Noite e dia, terra e mar;
Ais de uma pobre viuva,
Se os oiço, dá-me em chorar.
A sombra da nuvem passa
Depressa pela seara;
Mas a nuvem da desgraça
Já de mim se não separa.
Eu bem sei qual é a tinta
Que das as faces mimosas;
E' o carmim com que pinta
Deus Nosso Senhor as rosas.
Quando eu era pequenino
Que chorava a bom chorar,
A mãe beijava o menino,
No beijo se ia o pezar.
Nunca os beijos que te dei
Me venham ao pensamento.
Correi lágrimas, correi
Para o mar do sofrimento.
Faça Deus maior o mundo,
Terra e mar e ceu maior,
Que nada faz tão profundo,
Tão vasto como este amor.
Se tua mãe te vigia
Faz tua mãe muito bem;
Com joias de tal valia
Não ha fiar em ninguem.
Na alma já não me assoma
Aquella antiga visão;
A rosa perdeu o aroma
A luz perdeu o clarão.
Comments
Post a Comment